∞ SEMENTES DA TERRA MATURADA ∞
O Vale do Jequitinhonha aparentemente uma terra estéril, entretanto é fértil de vida e está sempre prenhe de sementes. Na realidade é um atelier, uma incubadora que produz histórias ímpares e obras genuínas de rara beleza. A arte como semente é fecundante nas produções dos filhos do Vale, assim, há forte presença de seres moldados pelas dificuldades e pelo esquecimento, mas que trazem em si a herança ancestral dos povos originários, e dos negros que ali se estabeleceram. E dentre estes incontáveis artistas de mágicos talentos, Lori Figueiró escolheu trazer à luz as produções de uma mulher símbolo do Vale de Jequitinhonha: Lira Marques. Arte da mulher que se apresenta e se encontra, e de forma magistral apresenta e revela todas as mulheres do Vale do Jequitinhonha. Lira Marques é um exímio exemplo de semente da terra maturada.
∞ LIRA MARQUES ∞
Maria Lira Marques Borges é uma das maiores expressões artísticas do vale do Jequitinhonha, uma das responsáveis pela projeção da arte ímpar de sua terra para o mundo. Nasceu em 1945 na cidade de Araçuaí.
Desde muito cedo, aprendeu a tirar melodias do barro, do barro do Vale, de onde várias mulheres modelam a vida. Suas composições orquestradas pelas mãos talentosas dão vida à pobreza de quem mora pelas bandas de lá. Ela, excelente conhecedora dos bichos e do povo, sabe à sua maneira materializá-los em formas que lhe aproxima da tradição e da ancestralidade, tão presentes no Vale do Jequitinhonha.
Não é impróprio afirmar que Lira Marques emprega vida ao pó, e colore seu destino na esperança de mudar o rumo dos demais. Esta mulher sopra vida sobre eles apontando novos horizontes, e por isso, suas criações ganham o mundo, fogem do Vale a revelam sua música constante no ato de fabricar tradição.
Lira toca a vida, sua vida com singularidade e é reconhecida por isto; mascara através do barro um passado inglório e remodela seu futuro. Na marca do seu trabalho é possível encontrar a força africana e a liberdade dos povos nativos do cerrado. Mulher, negra, e de fibra forte que não se rompe com os abruptos acordes da vida. Sua melodia concreta em pedra e argila são afinadas pelas dificuldades continuas e ressoam na paisagem, bem como as pinturas rupestres, as sempre-vivas e as rezas de sua terra, que são também melodias do Vale. Lira é um dos instrumentos de transformação da terra e das vidas do Vale do Jequitinhonha.
∞ LORI FIGUEIRÓ ∞
A poesia fotográfica deste artista transcende o lugar comum de capturar e revelar imagens. Ele se integra a elas, estando dentro sem invadir e junto sem alterar, mostrando sem revelar, capturando sem aprisionar, e eternizando sem deturpar a sacralidade.
As cores, (re)veladas, desvendam o interior dos lares sagrados do Vale do Jequitinhonha, permitindo conhecer a intimidade, sem profanar sua legitimidade. Desta forma traz a luz sem renegar a sombra que coaduna com ela em danças constantes expostas em flagrantes únicos pelo seu olhar sensível. O indizível se expressa pela fresta do telhado destelhado pela escassez, donde a luz adentra e dança na fumaça do fogão à lenha.
Suas composições espontâneas e simples nos revelam uma riqueza cenográfica natural do cotidiano das pessoas, porém equivalente aos jogos de luz e sombra também encontradas nas obras de “Caravaggio”, mas com os rostos e as cores do sertão. É possível perceber em seus retratos, a dignidade preservada no brilho do olhar, nos traços cinzelados pelo tempo nos objetos, e nos craquelados dos corpos do vale. Suas imagens são de almas quaradas ao sol agreste, que habitam corpos cheios de riqueza interior, expostas nos sorrisos ou na falta deles, e translucidados nos olhares, exalados pelos poros e registrados pelas lentes mágicas desse fotógrafo de histórias que registra o invisível.
Por Marcial Ávila, artista plástico diamantinense.
9º FESTIVAL DE ARTE NEGRA: FAN – MULHER
O Festival de Arte Negra – FAN-BH, traz o protagonismo das mulheres negras como tema central – FAN Mulher. Os 120 anos de Belo Horizonte e as iniciativas culturais e políticas de valorização da cidade serão celebradas, com atenção para a dimensão do gênero.
Em sua 9ª edição, completando também 22 anos de existência – no terceiro ano da Década da Afrodescendência (instituída pela ONU em 2015 como uma forma de refletir e valorizar o fruto de diáspora africana pelo mundo), o FAN-BH se consolida, mais uma vez, enquanto espaço de projeção de possibilidades e redução das desigualdades.
A proposta do FAN-BH é reunir várias ações artísticas e culturais, de modo a destacar o protagonismo da mulher negra em várias partes do planeta, com foco no continente africano, no Brasil, e em Belo Horizonte.
Quando as diferenças são transformadas em desigualdades, tornam-se necessárias políticas públicas específicas de promoção de igualdade de direitos, visibilidade, e enfrentamento das disparidades. É importante trazer à cena o passado, avaliar o presente e vislumbrar um futuro com propostas que desenhem novos horizontes e oportunidades, especialmente no que toca à condição da mulher negra enquanto sujeito social e político.
O olhar da curadoria se debruçou por apresentar pensamentos e memórias, ícones lendários e destaques contemporâneos em torno da gama de questões relacionadas ao universo dos feminismos negros na cena afro contemporânea brasileira e mundial. As lutas das mulheres negras tornam-se, para esta edição do Festival de Arte Negra um libelo para o assentamento efetivo de conquistas que vêm se apresentando no cenário atual.
http://www.fanbh.com.br/